domingo, 26 de novembro de 2017

Microcontos (246 e 247/2017)


Desenho: Clevane Pessoa.

Micro Contos de 9/10/17 - Palavra do dia: FLAUTA



I

Nem assoviar sabia, quando encontrou o estranho instrumento de osso. Soprou aleatoriamente e executou a mais bela canção que já ouvira. Hipnotizado, não conseguia parar, nem quando sentiu a primeira mordida do rato no calcanhar. Naquele dia o flautista teria matéria prima para muitas outras.



II

No aniversário de 8 anos, ganhou de presente a flauta doce que o iria acompanhar por mais de 60 anos. Mas, com a amargura que se tornara sua vida, não havia mais sentido tocá-la. No dilema entre quebrá-la ou se matar, decidiu pelo mais difícil: se inscreveu num curso de piano. 






quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Microcontos (245/2017)

Mariposa. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Conto de 8/10/17 - Palavra do dia: SURFE

O mar estava calmo, ainda assim atirou-se sobre a prancha de surfe e remou até 300 metros da praia. Ali, onde os últimos banhistas pareciam formigas na areia distante, abandonou-se nas águas e surfou eternamente nas ondas de seu desespero.


quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Microcontos (244/2017)


Desenho: Clevane Pessoa.

Micro Conto de 7/10/17 - Palavra do dia: MARATONA



A maratona foi excruciante, além dos milhões de concorrentes, o terreno irregular, as condições climáticas desfavoráveis e ainda havia sempre a possibilidade de uma pílula do dia seguinte, mas valeu a pena. Estou aqui.




terça-feira, 21 de novembro de 2017

Microcontos (242 e 243/2017)


Rosa. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 6/10/17 - Palavra do dia: CLIQUE



I

O dedo a milímetros do mouse, na tela do monitor a janela com a inscrição: Excluir. Enquanto o Criador repensa sua obra, a humanidade está a um clique de ser varrida do planeta.



II

O avô querendo contar suas histórias. Os netos, alheios, só interessados em suas redes sociais. O senhor se lamenta e diz: “parece um bando de frangos bicando milho e, de clique em clique, essa moçada enche o saco”. Naquela mesma tarde seu testamento foi alterado.






segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Microcontos (241/2017)


Da série IMAGENS ABSTRATAS. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Conto de 5/10/17 - Palavra do dia: PUBERDADE



Adorava a casa dos tios: guerras de travesseiros, implicâncias mútuas. Bastou a primeira espinha, uns finos pelos no sovaco e as primeiras alterações na voz do primo para ser proibida de “ir para dormir”. Defrontava-se com a realidade de que sua liberdade termina quando começa a puberdade do outro.

4º Lugar na Primeira Semana do V Prêmio ESCAMBAU de Microcontos.




domingo, 19 de novembro de 2017

Microcontos (240/2017)

Desenho: Clevane Pessoa.

Micro Conto de 4/10/17 -  Palavra do dia: Votação 

A votação transcorreu tranquila, o presidente seria reeleito para o sexto mandato, garantiam as pesquisas de seus exércitos.


sábado, 18 de novembro de 2017

Microcontos (239/2017)


Praça do Ginásio São Francisco. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Conto de 3/10/17 – Palavra do dia: NOSTALGIA

A 30 anos, diariamente, barbeava-se com a navalha do pai, preparava o café na cafeteira da mãe, a esposa lhe ajeitava colarinho e as pontas do bigode. Depois de órfão e viúvo, não resistiu à nostalgia. Nesta manhã, respirou fundo e com poucos golpes da velha navalha deu-lhe um fim: raspou o bigode.




sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Microcontos (235 a 238/2017)


Mariposa. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 30/7/17 - Palavra do dia: EUROPA



I

Já prevendo o comportamento de Europa, não foi à toa que Zeus, podendo se transmudar em qualquer outro animal, se transformou em touro.



II

Ela lhe disse que aceitaria se casar, se ele lhe levasse para conhecer a Europa, ele, apaixonado, prometeu. No primeiro aniversário de casamento, ele lhe deu uma cópia do quadro Europa e Touro de Noel-Nicolas Coypel. Desde então, ganhou o apelido de Zeus e todo o mundo comenta de seus chifres



III

Quando o carrão do caipira apontou para o parque de exposições, a menina falou:

− Mas o aeroporto é em outra direção.

− Ara, sô. A Europa quieu falei que ia te levá pra cunhecê era a minha vaca premiada.



IV

Seu sonho era ir para Europa, ganhar em euros e voltar rico para o Brasil. Aceitou fazer aquele serviço, pois pagaria e viabilizaria a sua entrada no Velho Continente. Pego na alfândega, agora, do Velho Mundo, só o holandês na cela ao lado, preso pelo mesmo crime.




quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Microcontos (231 a 234/2017)


Mariposa. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 29/7/17 - Palavra do dia: RESPOSTA



I

Cutelo, o Filósofo, estava levando uma carraspana da namorada e, sem querer alongar a discussão, deu aquele suspiro profundo de fastio, ao que a menina, irada, falou:

− Suspiro de burro não abala estaca, Sr. Cutelo.

O coice, ou melhor, a resposta do filósofo:

−Mas abala o coração de uma égua!



II

Cutelo, o Filósofo, no sexto mês de namoro, relatou à Eva, seus questionamentos e preocupações:

− Eva, num sei se caso ou compro uma bicicreta!

A menina, animou-se toda e montou logo o enxoval. Hoje, 25 anos depois, a resposta: o filósofo, feliz feito pinto no lixo, chegou em sua casa pedalando.



III

Depois das perguntas de praxe e das respostas do lobo, fingindo ser a Vovó. Chapeuzinho, que de boba só tem o chapeuzinho e o andado, notou uma saliência sob a colcha e não fez mais perguntas. Que o lobo explicasse ao caçador, que vinha chegando



IV

Quando o Dunga foi técnico da seleção, era uma soneca em campo, que nem o mestre dos analistas conseguia explicar. O Neymar aquele dengoso, por qualquer pum ou atchim não ficava feliz e se negava a jogar e o técnico zangado, com cara de bruxa, era só coices nos jornalistas em cada resposta.










quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Microcontos (228 a 230/2017)


Praça do Ginásio São Francisco - CMD (MG). Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 28/7/17 - Palavra do dia: BOBINA



I

Na velha padaria, recém saídos da infância, comiam o pão que o diabo amassou. Mas, apesar de tudo, eram felizes. Atrás das bobinas do famoso papel de pão, que já serviu de pergaminho para cartas de suicídio, despedida e de amor, escreviam, com a dona do negócio, a palavra homem, em suas biografias.



II

Durante trinta anos, chegava à repartição pontualmente às oito horas, retirava e repunha a bobina na velha máquina de escrever, pendurava seu paletó na cadeira e ia fiscalizar a natureza. Era tão inútil que só notaram sua falta, quando o odor vindo do depósito ficou insuportável.



III

Quando sentiu que lhe escorria o último fio da vida, tateou em vão, à procura a manivela, que lhe permitisse esticar só mais um bocadinho aquela linha, mas a bobina já estava em mãos do Criador. Então sorriu e renasceu estrela.




terça-feira, 14 de novembro de 2017

Microcontos (226 e 227/2017)


Kinumia. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 27/7/17 - Palavra do dia: SEMANA



I

Em uma semana Deus criou o mundo. Tudo Ele disse e se fez. No sexto dia, quando tudo era perfeito e bom, Ele criou a praga que destruiria a sua maravilhosa arte. Neste dia Deus chorou!



II

Passou a semana pensando no dia D, mas na hora H, negou fogo. Só dias depois encontrou o X da questão: na ansiedade daquele momento, trocou as pílulas, ao invés do azulzinho tomou o laxante. Fez merda!






segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Microcontos (223 a 225/2017)


Crepúsculo. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos do dia 26/7/17 - Palavra do dia: INDÚSTRIA



I

Acusado de ser miliciano e na mira da corregedoria pelos altos valores em sua conta que não condiziam com o salário de policial, se defendeu dizendo que estava no ramo da Indústria. Ao ser perguntado em qual, respondeu que fabricava viúvas por encomenda.



II

Michelzin sempre teve indústria para o mal. Cabulava aulas, colava nas provas, era alcaguete, matava passarinho, salgava a comida e urinava na caixa d’água. Podia estar matando, assaltando, sequestrando, mas preferiu o ramo industrial. Hoje é o maior produtor de desesperança deste lado do mundo.



III

Em todos estes anos trabalhando nesta indústria vital, ele percebeu que vudu não era para jacu, quando Zeca Urubu enfiou a agulha no boneco e sentiu uma pontada no (piiiiiiiii).






domingo, 12 de novembro de 2017

Microcontos (219 a 221/2017)


Desenho: Clevane Pessoa.

Micro Contos de 25/7/17 - Palavra do dia: FORMIGUEIRO



I

A vovó, nem em sonhos, desconfiava das intenções de Chapeuzinho Vermelho, ao abrir a cesta viu o bolo formigueiro, o pudim de leite condensado e as bombas de chocolate. Tantas guloseimas deliciosas, pensou apenas em sua glicemia e na obesidade... até que ouviu o tic-tac.



II

O pai estava às voltas com os formigueiros. Ele, com fome de leão e cada dia mais gordinho, assaltava a geladeira todos as noites. Quando o pai chegou com a formicida, dizendo que era para acabar com a praga que comia tudo o que ele produzia, por via das dúvidas, iniciou a dieta. 



III

Não podia ver um formigueiro que acendia uma vela ao Negrinho do Pastoreiro e repetia a imprecação?

− Foi por aqui que perdi... foi por aqui que perdi...

  Lá do céu, o menino dizia com tristeza:

− Pobre coitado, nenhum ente é capaz de lhe devolver a esperança perdida!










sábado, 11 de novembro de 2017

Microcontos (216 a 218/2017)


Desenho: Clevane Pessoa.

Micro Contos do dia 24/7/17 - Palavra do dia: VERME



I

Quando o chefão o convidou para a Festa dos Vermes, pensou em drogas, sexo e funk. Setenta e duas horas depois encontraram seu corpo. E a festa estava bombando.



II

5300 d.C., o organismo Alpha 3B12 não resistiu à infestação, agonizou, entrou em colapso e sucumbiu. A autopsia da AMLI - Associação de Médicos Legistas Interestelares detectou concentração excepcional de uma praga proveniente do planeta Terra, vermes da espécie Homo Sapiens.



III

Quando soube que o apelido do namorado da caçula era Verme, tratou de pedir aos amigos que o chamassem, daquele momento em diante, de Lombrigueiro.










sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Microconts (212 a 215/2017)


Praça do Ginásio São Francisco. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 23/7/17 - Palavra do dia: LICOR



I

Enquanto a vovó tomava licor, na sala de estar, Chapeuzinho Vermelho não entendia porque o caçador insistia para que ela tirasse a roupa para jogar videogame.   O delegado Lobo que já estava de olho naquela casa da floresta, chegou no momento exato...



II

Não tinha o hábito de beber, mas aqueles olhos de licor de anis, e a voz doce e licorosa, convenceram-na a tomar um drink... acordou desnorteada, no conto de fadas errado. A vovó de Chapeuzinho Vermelho, tinha caído no golpe Boa Noite Cinderela.



III

Quando o caçador invadiu a casa da Vovó, a encontrou trancada no armário com Chapeuzinho Vermelho, ambas intactas. Já o lobo estava dormindo ao lado de uma garrafa de licor de amoras. Com a notícia da Reforma da Previdência, depois de dez anos limpo, o pobre canídeo recaiu.




quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Microcontos (210 e 211/2017)


Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 22/7/17 - Palavra do dia: COMISSARIADO



I

O comissariado da infância e adolescentes no processo de abuso contra a Chapeuzinho Vermelho, inocentou o lobo. Os Irmãos Grimm prometem recorrer da decisão daquele órgão.



II

Em depoimento ao Alto Comissariado dos Assuntos dos Contos de Fadas, Lendas e Afins, o caçador, corroborando com o depoimento do lobo, complica a situação da vovozinha. O caso promete reviravoltas, soubemos de fontes seguras que a próxima a ser ouvida será a mãe de Chapeuzinho Vermelho.




quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Microcontos (207 a 209/2017)


Gerânio. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 21/7/17 - Palavra do dia: BOTAS



I

Toda manhã calçava suas botas de trafegar sonhos, beijava a esposa e ia trabalhar na lavoura. As botas do patrão, a caminho de seu barraco, sempre lhe atravancando os passos, fazendo-o atolar na realidade de borra-botas. Depois da chacina, fugiu descalço.



II

Quando viu as botas novas do marido manchadas de sangue e nos pés do capataz, entendeu que ele havia finalmente encontrado a única rota de saída da fazenda Boa Esperança.



III

Quando viu as botas do caçador sob a cama da vovozinha, Chapeuzinho deu meia volta. Estaria mais segura com os lobos na floresta.


terça-feira, 7 de novembro de 2017

Microcontos (205 e 206/2017)


Rosa. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 20/7/17 - Palavra do dia: CARIBE



I

Ele, playboy filho do ricaço da cidade; ela da periferia. Quando se conheceram, sonhou com passeios de iate, regada ao bom champanhe. Nem acreditou quando ele lhe convidou para sair, mas depois de umas doses, relaxou. Acordou no Motel Caribe e o vídeo de sua noite tem mais de dez mil visualizações.



II

O pequeno sírio recolheu seu barco de papel da pequena poça e foi sentar-se longe dos amiguinhos. Ninguém queria brincar de Piratas do Caribe e ele já estava cansado de brincar de refugiado.






segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Microcontos (202 a 204/2017)


Pata de Elefante. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 19/7/17 - Palavra do dia: FAZENDA



I

Desceram do caminhão pau-de-arara e foram saudados pelo simpático capataz que lhes disse:

−Bem vindos à Fazenda Boa Esperança, aqui, se o filho chora a mãe acode.

E pendurou na entrada do barracão a açoiteira com a palavra MÂE esculpida no cabo.



II

Depois de mais de um ano na Fazenda Boa Esperança, a única que lhe restava era ser resgatado pelas forças tarefas da Polícia Federal.



III

Nascido na fazenda, nunca soube quem era seu pai de fato. Já na casa dos 40, se enamorou da Lurdinha, que todos diziam ser filha do fazendeiro. Ao avisar ao patrão da vontade de se casar, ouviu o não, seguido de uma explicação curta:

Vocês não podem se casar. Ela é minha filha e os dois são irmãos.



IV

O diabo, à véspera de inauguração de uma nova fazenda de produção de íncubos, enviou mensagem ao arcanjo, encomendando novas matrizes para seu plantel. Naquela mesma noite um grande incêndio atingiu o convento, vitimando todas as freiras.




domingo, 5 de novembro de 2017

Microcontos (201/2017)

Flor de Caninha de Macaco. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Conto de 18/7/17 - Palavra do dia: MOINHO

Quando descobriu que a vida era um moinho, abriu uma franquia de distribuição de sonhos e ilusões em pó, mas viu seu projeto ir pelas águas que não movem moinho, abaixo, quando foi preso por tráfico internacional de cocaína.




sábado, 4 de novembro de 2017

Microcontos (199 e 200/2017)


Hibisco. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 17/7/17 - Palavra do dia: AQUÁRIO



I

Nunca imaginou-se um tubarão, apesar do tamanho, era chorão e covarde e ali no aquário era surrado por peixinhos vermelhos, peixes palhaços e até camarão. Mas como “a araruta também tem o seu dia de mingau”, certa tarde sentiu gosto de sangue...



II

Se amam desde a infância. Ele é de peixes, Curíntia, gosta de gatos e rock. Ela é Parmeira, de aquário e tem peixinhos, faz meditação. Há alguns dias assinaram a declaração de guerra, em cerimônia para cem convidados, na Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte, onde os noivos receberam os cumprimentos.






sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Microcontos (197 e 198/2017)


Escaravelho. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 16/7/17 - Palavra do dia: DISPUTA



I

Na disputa entre esquerda e direita para ver quem se refestelava mais no poder, venceu aquele cujo lado era o das forças imperialistas que andavam de olhos naquela republiqueta de democracia frágil e povo despolitizado.



II

Ela era motivo de disputa entre mais de vinte rapazes todos os dias. Todos queriam ser o seu dono e muitas vezes esta pendenga gerava discussões, brigas e escoriações. O tempo passou, seus encantos se perderam até que murchou por completo e foi trocada por uma bola nova.


quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Microcontos (195 e 196/2017)


Mariposa. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 15/7/17 - Palavra do dia: ÚLCERA



I

O médico jovem e idealista chegou à cidadezinha e logo desconfiou de um mendigo que “trabalhava” na praça da Matriz e diagnosticou a fraude. Em menos de um ano assinou o atestado de óbito do falso mendigo, causa mortis: úlcera, mas sabia que o que lhe causara a morte foi a sua infeliz interferência.



II

Viúva sem filhos e com um patrimônio bem interessante, ela precisava de tratamento para depressão, mas no meio do caminho havia um esperto pastor que diagnosticou possessão. Ao invés de terapia, oração e seções de descarrego. Resultado: morreu de úlcera, ganhou o céu e a igreja ficou mais rica.






quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Microcontos (191 a 194/2017)


Pimenta de Macaco. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 14/7/17 - Palavra do dia: ESQUERDA



I

Acostumou-se, desde criança, com a sua presença. Olhava à esquerda, por sobre os ombros e lá estava ela em sua palidez e zomba. Nos perigos, a procurava, sentia-se seguro com ela. Ao perceber a avalanche no meio da cordilheira, olhou sobre o ombro e nada! Veio pelo outro lado. A morte era sinistra.



II

− Quem é este Luiz, minha filha, que tanto você fala nele?

− É um menino carente, pai, a quem eu dei de comer.

− Muito bem, filhinha, mas lembre-se: que não saiba a mão esquerda, aquilo que você dá com a direita.

Mal sabia o pai que, aquilo com que ela lhe deu de comer, ficava exatamente no centro.



III

Para fazê-la usar a mão direita, a mãe queimou lhe a sinistra, sabia que eram alvo do Santo Ofício e com isto a deixava segura! Dez anos depois chegou à vila um implacável inquisidor, ao ver aquela moça linda, com a mão esquerda mutilada, não teve dúvidas e condenou à fogueira aquela noiva do diabo.



IV

Recitava com fervor o salmo: “Caiam mil homens à tua esquerda e dez mil à tua direita, tu não serás atingido” seguia em frente, impassível, mesmo diante de uma batalha perdida. Mas descuidou-se da retaguarda, de onde partiu o tiro sem misericórdia e pendendo para a direita, pensou: “dez mil e um...”