terça-feira, 31 de outubro de 2017

Microcontos (189 e 190/2017)


Desenho: Clevane Pessoa.

Micro Contos de 13/7/17 - Palavra do dia: PENICO



I

Era duro na queda, homem com H e coragem de mamar em onça, não era de pedir penico. Já vencera batalhas maiores. Mas, aquela dor recorrente que o assolava a meses, muitos dos seus amigos já nem estavam mais entre nós... decidiu: amanhã mesmo ligaria para o urologista e marcaria o inominável exame.



II

Era aristocrata, vivia nos salões, rodeada da nobreza, mas bastou um simples deslize para ser atirada à sarjeta e à ralé, fazendo os mais sujos serviços. Este foi o destino da bela bacia da mesa de jantar, quando, numa queda, perdeu sua beleza original foi posta no terreiro e hoje é penico de gatos.






segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Microcontos (187 e 188/2017)


Flor de Pimenta de Macaco. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 12/7/17 - Palavra do dia: VALISE



I

Embarcou as dores no coração, as lembranças numa de caixa de bombons e esta, mais os segredos, em uma velha valise. Na plataforma de embarque, suas bagagens de mão passaram sem problemas, mas seu coração foi retido na alfândega. O visto temporário não permitia viajar com aquele excesso de peso.



II

Sempre usei duas valises, uma do lado de dentro da porta de entrada, outra, do lado de fora. Quando saio, levo a externa e, ao chegar, pego a outra. Procuro não misturar cargas. A de casa, é estável, já a da rua, troquei por baú, caçamba, contêiner... desde ontem que contratei um lixão. Está pouco!






domingo, 29 de outubro de 2017

Microcontos (185 e 186/2017)


Desenho: Clevane Pessoa.

Micro contos de 11/7/17 - Palavra do dia: SUBMARINO

I
Aquele consultor era famoso pelo toque de Midas, já havia recuperado dezenas de empreendimentos à beira do colapso financeiro e retirado outros tantos da falência, quando foi questionado por que havia se casado e separado tantas vezes explicou: para relacionamentos, o seu toque era de submarino.

II
Era um dia especial, tempo limpo, por de sol maravilhoso visto ali do alto da ponte. Ajustou o lastro ao corpo, bem mais pesado do que seria indicado para sua pouca massa corporal. Nos fones de ouvido, os Garotos de Liverpool. Quando tocou Submarino Amarelo, a sua preferida, sorriu e se atirou.



sábado, 28 de outubro de 2017

Microcontos (183 e 184/2017)

Borboleta. Foto: Francisco Ferreira.


Micro Contos de 10/7/17 - Palavra do dia: CONDOMÍNIO

I
Durante mais de 10 anos foi condomínio fechado, administrado com mão de ferro por um síndico tirano que não lhe reconhecia o valor. No dia em que se cansou, derrubou os muros, desligou os alarmes e abriu-se para a visitação pública. 

II
Como nos outros meses recebeu os salários, sentou-se com esposa e puseram-se a calcular as despesas. Contas feitas, faltava só o condomínio que estava pela hora da morte. Sorriu infeliz e pensou: 
Não me sobrou nem para um pacote de jujubas, quiçá para municiar o revólver. O céu pode esperar!



sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Microcontos (180 e 181/2017)


Flores. Foto: Francisco Ferreira.

Micro contos de 9/7/17 -  Palavra do dia: BRIGADEIRO



I

Sempre desconfiara de ser a neta predileta e teve certeza quando a avó, em seus últimos dias, segredou:

Nesta caixa tem uma fórmula mágica poderosa, com ela conquistei o seu avô. Abra-a, só depois da minha morte.

Ao voltar do enterro, abriu ansiosamente a caixa que continha uma receita de brigadeiro.



II

A comida da esposa estava divina naquele dia. Depois do almoço encontrou o bilhete preso ao fundo da marmita:

“Almoçou direitinho, meu bem? Sei que anda trocando meus brigadeiros pelos beijinhos da vizinha, por isto caprichei no preparo de sua marmita, usei um novo tempero, estricnina, estava bom?”






quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Microcontos (179/2017)


Borboleta. Foto: Mary Alves.

Micro Conto de 8/7/17 - Palavra do dia: ALUMÍNIO



Ele bem queria o apelido de Zé Pequeno, mas ficou Alumínio mesmo. Já moleque fazia ligações iônicas com o ouro e a prata das joias dos turistas.  E, quando necessário, fazia com o cobre da rede telefônica. Numa encruzilhada da tabela periódica, o chumbo daquele tiro interrompeu as ligações.


quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Microcontos (176 a 178/2017)


Flor de Mamão. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 7/7/17 - Palavra do dia: MOSTRUÁRIO



I

O Moço apressado chamou o padre e disse:

− Bença! O coroné reuniu as damas da fazenda para dar-lhes um presente, já que o médico lhe deu poucos meses de vida. O cacheiro viajante, atrapalhado, ao invés de abrir o mostruário de joias, abriu o de calçolas... mandaram lhe chamar para encomendar a alma.



II

A família se reunia todo Natal. E, naquele ano não seria diferente: peru com farofa, muita bebida e as mágoas, desavenças, inveja, humilhações mútuas. A única novidade desta vez era o seu emprego na fábrica de pesticidas. Quando abriram o mostruário de sentimentos, ele abriu o seu, de venenos.



III

Vinte anos e nenhuma namorada. O pai preocupado o leva ao bordel e lhe diz babando nos corpos das meninas:

− Veja quanta joia neste mostruário. Escolha...

O filho o deixa eufórico, quando fala com os olhos brilhando:

− Vou usá-las todas, pai. – Fascinado que estava por tanta lingerie exótica.


terça-feira, 24 de outubro de 2017

Microcontos (173 a 175/2017)


Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 6/717 -  Palavra do dia: MEDALHA



I

Ao ver na TV o moço recebendo, das mãos do governador, medalha pelos relevantes serviços prestados em prol da qualidade de vida na terceira idade, o senhor que não via o filho há três anos, chama os companheiros do asilo e diz com lágrimas nos olhos:

Venham ver como o meu filho é bom!



II

Pedro vivia de sua carvoaria e morreu só, de uma queda na caieira. Os diplomas dos filhos, que via raramente, eram sua riqueza. Após o enterro sua viúva entregou aos filhos um envelope dizendo: “Aqui estão as medalhas do herói que os fez doutores”. Raios X com as manchas nos pulmões do marido.



III

Era cataléptico o que lhe deixava enrijecido, mas consciente. E sempre que retornava daquele estado, dizia de coisas do outro mundo, fazia previsões e tornou-se lenda, uma espécie de Lázaro do sertão. Mas, quando se engraçou com a moça errada, nem a medalha do santo de devoção fê-lo ressuscitar.




segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Microcontos (170 a 172/2017)


Espadas de São Jorge. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 5/7/17 - Palavra do dia: PONTEIRO



I

A mulher do comissário, suspirava quando o ponteiro novo e bonitão, tocava o berrante. O marido insatisfeito, vendeu o que tinha, em segredo, limpou e municiou as armas e prometeu a si que depois da marcha, aquilo terminaria. Entregue a boiada, montou a cigana Catarina na garupa e sumiu rumo Goiás.



II

Enquanto um segurava o ponteiro, o outro batia com a marreta. Confiança e equilíbrio faziam com que, em trinta anos quebrando pedras todos os dias, jamais errassem uma marretada sequer. Naquela manhã, quando João se lembrou das mãos de Zeca nas ancas de Maria, titubeou... e arrebentou-lhe o crânio.



III

O coronel, para fazer vista ao deputado que o visitava, ostentava na algibeira, relógio de bolso de dezoito quilates. Em dado momento, sua excelência quis saber das horas. O matuto sacou da estrovenga, mira os ponteiros marcando meio dia e vocifera:

O grande tá incima do piqueno e o pau tá cumeno.




domingo, 22 de outubro de 2017

Microcontos (168 e 169/2017)


Córrego do Ginásio. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 4/7/17 - Palavra do dia: LAGO



I

Da janela do quarto via a encruzilhada em que ele, atormentado pelos dissabores da vida dupla, abriu mão da vida. A viúva fazia questão de ostentar o luto diariamente em sua porta. À ela, a amante, só lhe cabiam o escarnio e os lagos diários que as lágrimas produziam. Ninguém jamais o amou tanto.



II

Fruto de ato hediondo e indesejado, nos poucos minutos de sua vida experimentou dos quatro elementos. Na terra foi concebido e nasceu, à beira de uma fogueira em noite de ventania. A menina mãe exilada, só e faminta, sem verter uma lágrima, abandonou-o no pequeno lago




sábado, 21 de outubro de 2017

Microcontos (167/2017)


Foto: Francisco Ferreira.

Micro Conto de 3/7/17 – Palavra do dia: POTE



A vida ali era dura. Além dos trabalhos, a vigilância.  Como se fosse possível pecar naquele ermo. Quando faltaram-lhe as regras no terceiro mês, a mãe chamou o pai, que lhe disse:

Onde quebrou seu pote, vá procurar sua rodilha! - E a pôs para fora de casa. Levou consigo a revolta e o filho irmão.








sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Microcontos (164 a 166/2017)


Cogumelos. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 30/4/17 – Palavra do dia: MEDICINA



I

Nasceu numa madrugada de tempestade que parecia o fim do mundo. Eu, filho de Xangô, sabia que o Orixá estava saudando à neta. Ela cresceu e abandonou o ninho, voou para longe. Hoje, tenho de me contentar com as poesias de saudade, já que para este sentimento, a medicina ainda não criou remédios...



II

Quando se inscreveu no vestibular para medicina tinha planos de curar a humanidade, na faculdade queria revolucionar os conceitos de doenças e doentes, na residência, um semideus. Hoje, vinte anos de exercício já não tem mais lagrimas para chorar diante da impotência ante o inevitável. Humanizou-se.



III

Ao terminar o curso de medicina fez o famoso juramento. Alguns anos depois quando tomou posse como prefeito da cidadezinha e comemorou a vitória com seus correligionários, voltou para casa bêbado e reclamou à esposa:

− Depois de anos, troco o juramento de Hipócrates pelo juramento do hipócrita.




quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Microcontos (160 a 163/2017)


Mariposa. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 29/4/17 – Palavra do dia:



I

Ouviu calado os gritos de “ladrão!”, levou chutes e socos dos seguranças. Foi jogado no carro da polícia sob os aplausos de multidão vingativa e insana. Entre os rostos raivosos, o do sujeito do carro importado, que embriagado, atropelara e lhe roubara o pai que punha na mesa o pão que ele roubou.



II

Ao considerá-lo culpado, o juiz arrematou a sentença dizendo:

−Condeno o réu, aqui presente a este Tribunal à pena máxima, não apenas pelo crime de pedofilia, mas pela bestialidade hedionda de ser ladrão de inocências, sonhos, futuros e vida. Sem direito a apelação.

Diga Não!



III

Desolado, pensava: “Se o ladrão de Bagdá, a irmã do Conde d’Eu e Leonardo da Vinci, porque será que ela sonega?”



IV

Considerava um absurdo o que fizeram com ele. Ser demitido do cargo de coveiro e acusado de ladrão de túmulos quando tudo o que fez, foi por amor aquelas pobres almas. Um injustiçado, isto sim. Por toda a vida ouvira que era dos pobres o reino dos céus, daí as aliviava de joias e dentes de ouro.




quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Microcontos (158 e 159/2017)


Igreja do Senhor Bom Jesus do Matozinhos. Foto: TLGMorais.

Micro Contos de 27/4/17 – Palavra do dia: LAVATÓRIO





I

Diante do lavatório, lembrou-se da fala da mãe: “a água lava tudo, minha filha”. Lavou as lágrimas, o sangue da boca, a lama das mãos. Armou o cabelo desgrenhado num coque. Suspirou engolindo a vergonha. Só não lavou o coração que já não existia...



II

Supervisionando a retirada de móveis e utensílios da casa que herdara do tio, praguejou:

−Velho ordinário! Só deixou lixo. Há de ir para o inferno.

Mas, ao retirarem o velho lavatório da sala, e descobrirem as joias...

−Pobre titio, bom e generoso, alma tão nobre. Com certeza está nos braços de Deus.


terça-feira, 17 de outubro de 2017

Microcontos (156 e 157/2017)

Flor Silvestre (mar./17). Foto: Francisco Ferreira.


Micro Contos de 26/4/17 – Palavra do dia: DISCOTECA


I
Virou bicho quando viu sua discoteca, cuidadosamente organizada, marcando o caminho até a casa da vizinha. Cuspindo marimbondo, apanhou disco por disco, pensando que não engoliria aquele sapo. Iria lhe falar cobras e lagartos. Mas a moça naquela lingerie de oncinha, deixou-o manso feito pardal.

II
Tinha duas manias: ver a sensual namorada dançando na discoteca e de bater nos incautos que se atreviam com ela. O tempo passou, a namorada se tornou esposa e o tempo deixou-a ainda mais sensual, os incautos mais atrevidos e, ele, mais velho. Hoje, são os incautos que tem a mania de lhe bater.

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Microcontos (152 a 155/2017)


Córrego do Ginásio. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 25/4/17 – Palavra do dia: TERMINAL



I

Aquele era o último terminal eletrônico por que passava com os bandidos, se eles continuassem insistindo, ele acabaria digitando a senha corretamente, sacando o pouco dinheiro que tinha e salvando sua sogra. Pensou com tristeza que num caso de sequestro relâmpago se livraria daquela megera.



II

Fazia ponto no terminal rodoviário. Tinha um único sonho, embarcar numa vida diferente. Naquela manhã o destino se utilizando do motorista de ressaca, do trânsito difícil, da chuva, compôs aquela estranha melodia de cantada de pneus como música de fundo para o seu desembarque definitivo.



III

De parentes só a mãe no asilo. A terra natal a barragem engoliu. As portas das possibilidades a vida tratou de fechar com o tempo. Sobrou-lhe o terminal onde todos os dias, as 18h30’, esperava o ônibus que não circulava mais. Hoje não lhe permitem sentar-se na praça de alimentação sem consumir.



IV

De parentes só a mãe no asilo. A terra natal a barragem engoliu. As portas das possibilidades a vida foi fechando com o tempo. Restava-lhe o terminal onde todos os dias, as 18h30’, esperava pelo ônibus que não circulava mais.


domingo, 15 de outubro de 2017

Microcontos (149 a 151/2017)


Rosa. Foto: MVBuosi.

Micro Contos de 24/4/17  - Palavra do dia: LÍNGUA



I

Não era dada ao estudo do inglês. No ensino médio passou sempre raspando e dizia: “já basta o português para me complicar”. Mas, nas reviravoltas da vida, foi trabalhar num hotel de estância turística. Sapequinha, ali descobriu o prazer dos idiomas, experimentando variadas línguas estrangeiras.



II

Depois de quase 50 anos de casados, o sexo ganhou novas configurações, nova dialógica. Ela sempre preocupada com o marido, redobrando nos cuidados, provava da comida antes de servi-lo, com medo de queimasse a língua.



III

Fazia tempos que estava de olho naquela camaleozinha, adorava seu mimetismo sensual. Quando apanhou um gafanhoto gordo, criou coragem e convidou-a para almoçar com ele. Ela revirando os olhinhos em 360º graus, pergunta:

−Na sua língua ou na minha?


sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Microcontos (145 a 147/2017)


Coração de Terra. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 22  e 23/4/17 – Palavra do dia: ALMANAQUE / EMBARGO



I

Consultou alfarrábios, almanaques, enciclopédias, compêndios, bulas e nada dum indicativo de como tratá-la. Em desespero, procurou o pai de santo que, montado pela entidade, disse-lhe:

 − Mizi fio, ame esta mizi fia acima de tudo. Dê sua vida pur’ela.

Caso de reencarnação. Jamais abandonou a mãe.



II

Primeiro o abuso, depois o bullyng. Apontada, julgada e condenada pela roupa curta, pelo andar sensual, pelo desejo único de ser livre e proprietária de seu próprio corpo. Tentou família, polícia, justiça... Nada! Em última instância, como embargo aos atos de violência, atirou-se sob o automóvel.



III

Satã é um invejoso de uma figa. Ao ver que Javé criou o homem com livre-arbítrio, e que o homem era feliz, tratou de apresentar embargo. Inspirou o homem a criar as religiões.


quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Microcontos (141 a 144/2017)


Escaravelho. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 21/4/17 – Palavra do dia: DISPUTA



I

Nosso caso se encaminhava para um empate sem graça, sem direito a disputa de pênaltis. Mas, aos 44 minutos do segundo tempo, ela pôs a mão nas bolas...



II

Que chances teria Golias em sua disputa com Davi se Javé pendeu para o lado do nanico? Dois contra um sempre foi covardia.



III

Livre arbítrio é o cacete, se Javé tem tantos representantes nesta disputa e o Cramunhão só tem a ele mesmo. Além de ser o Cão chupando manga e feio feito o Diabo.



IV

Açougueiro competente, famoso pelos cortes perfeitos, chegando em casa se depara com a esposa e a amante engalfinhadas na praça. Tira da bolsa a faca, dá de mão no objeto de disputa e grita:

− Vou cortar fora esta porqueira se não pararem de brigar.

Tornaram-se as melhores amigas de toda a vida.










quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Microcontos (140/2017)


Hibiscos. Foto: TLGMorais.

Micro Conto de 20/4/17 – Palavra do dia: Ópera



I

Putin que na merda, Trump ferrados e Assad nesta ópera bufa.






terça-feira, 10 de outubro de 2017

Microcontos (138 e 139/2017)


Flor de boldo. Foto: Francisco Ferreira.

Micro Contos de 19/4/17 – Palavra do dia:



I

Quando o sogro morreu, tomou conta da casa, baseando-se na história de que rei morto, rei posto. Fazia o que bem entendia e gato e sapato da mulher e da mãe. Até que o cunhado, deu um golpe de estado e lhe mostrou que ali não era a casa da sogra, muito menos da Mãe Joana.



II

Sem sentir, cantou baixinho no velório da sogra, o bon vivant:

Minha sogra morreu, o sofrimento vem em dobro...

A esposa enlutada, retrucou:

Vai ter de virar homem e trabalhar, né, vagabundo?




segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Microcontos (134 a 137/2017)


Espirradeira. Foto: TLGMorais.

Micro Contos de 18/4/17 – Palavra do dia: MÁQUINA



I

A esposa era bonita e sensual, sem dúvidas. E, para se gabar com os amigos, se referia à ela como “A máquina”, “Ferrari”, “Volvo” e outros nomes menos nobres. Ela se entristecia com a comparação.  Até o dia em que o outro a chamou apenas de mulher.



II

Desde que se aposentou que passava todo o dia trancado na garagem, dando marteladas, ou entrando e saindo apressado com as mais variadas peças e ferramentas. Depois de uns dois anos, saiu de madrugada e deixou um bilhete na geladeira: “Vou por a minha máquina para funcionar”



III

Sempre se sentiu um inútil e foi tratado como tal pela família. Piores notas, piores empregos, menores salários. Seu sonho era inventar a máquina do esquecimento. Quando foi diagnosticado com Alzheimer realizou seus sonhos, mesmo não se lembrando mais deles.



IV

“Se inventam tantas armas de guerra, porque ninguém inventou ainda uma máquina de paz?”  Pergunta, intrigado, o jovem órfão em Halfaya.




domingo, 8 de outubro de 2017

Microcontos (130 a 133/2017)


Casa Antiga. Foto: TLGMorais

Micro Contos de 17/4/17 – Palavra do dia: RAPOSA



I

A águia imperialista via aquela terra com interesse, mas para meter seu bico, teria de derrubar o governo. Para tanto acionou seus marrecos adestrados que, muito espertos, levaram os patos no bico. Patos nas ruas e, enfim, a queda do regime. Pena foi entregaram, à raposa, a chave do galinheiro.



II

Esopo só escreveu sobre a raposa por total desconhecimento de velhas raposas de minha terra que, não podendo comer as bananas, proferem:

− Estão podres.



III

A raposa do planalto confessa aos seus futuros ministros:

− Deem-me uma cunha e uns patos de apoio que moverei a terra.



IV

Num átimo de distração, quando sentiu a dor e se virou, lá estava Michelzinho com sua cauda, ainda pingando sangue, à guisa de cachecol. Reclamou a raposa:

−Na história original tu me cativavas, lembra-se?

−É que sou o Pequeno Príncipe do mal.






sábado, 7 de outubro de 2017

Microcontos (123 a 129/2017)


Desenho: Clevane Pessoa.

Micro Contos de 16/4/17 – Palavra do dia: SEGREDO





I

Nunca deixou à mostra as cicatrizes e hematomas. Não! Não era segredo para ninguém. Era por vergonha.



II

Era, todos diziam, um livro aberto e querido por toda a comunidade. Seus segredos e desafetos eliminava à bala.



III

Levaria aquele segredo ao túmulo não fosse o teste de DNA.



IV

Não havia isonomia na condução de seus processos, confundia segredo de justiça com a justiça do segredo.



V

Era o príncipe dos conchavos, o monarca dos segredos. Quando ruiu seu império, tornou-se o rei das delações.



VI

Queixava-se o político delatado:

− É um absurdo. Uma reviravolta moral. Não se pode mais confiar a ninguém os seus segredos com a instituição das delações premiadas. Cadê a velha confiança, a palavra dada, o fio do bigode?



VII

Sabia que aquele segredo ainda o levaria ao túmulo. Quando o revelou, antecipou a viagem.


sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Microcontos (117 a 122/2017)


Desenho. Francisco Ferreira.

Micro Contos de 15/4/17 – Palavra do dia: ESCADA



I

Chamou a terra de Betel, construiu sua casa e, ao lado, numa pedra ergueu a ermida, esperava surgir a escada de Jacó com anjos a descerem do céu. Certa noite, ouvindo barulho de asas correu ao lugar, era seu vizinho furtando suas galinhas. Sua alma ainda vaga em busca dos degraus para o paraíso.



II

Cansada de servir de escada social para o marido bem mais jovem, cortou-lhe as asas com um par de chifres.



III

O velho político dizia no palanque:

− Não adianta me colocarem no céu e tirarem a escada. Votem em mim para prefeito e nos candidatos a vereador do nosso partido.

Foi cassado pela sua maioria na Câmara.



IV

A escada da casa na floresta era um mistério aos meninos da comunidade. Só lhe permitiam subi-las com os pais. Dos que a subiam os adultos comentavam que não eram mais meninos, já eram homens. Enfim, sua vez. No último degrau, ainda trêmulo, só viu uma sala enfumaçada e o grupo de mulheres seminuas.



V

Dormiam no porão, realidade cruel de uma terra desprovida de qualquer piedade. Atendiam os clientes no primeiro andar, realidade ainda mais cruel: o inferno. A escada do térreo era o portal onde transitavam entre os dois mundos. Uma espécie de purgatório para aquelas meninas escravizadas.



VI

Suas propinas serviram de escada na ascensão de políticos dos diversos partidos. Quando caiu, caiu sozinho. Hoje, nas masmorras, se abrir a boca causa um tsunami no poder.  Mas sabe que é melhor manter a boca fechada. Sua vida depende disto.